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Da propaganda religiosa ao símbolo de uma nação: a história do Cristo Redentor do Rio


A estátua do Cristo Redentor do Rio foi originalmente concebida como um símbolo contra um "mar de impiedade". Carl de Souza/AFP/Getty Images

Pense no Rio de Janeiro e a primeira imagem que vem à mente – não importa o seu sistema de crenças – é provavelmente religiosa.

Empoleirada no Corcovado – um afloramento de granito de 2.300 pés de altura que se ergue acima da cidade – a estátua do Cristo Redentor (Cristo Redentor) abre os braços num abraço caloroso, dando as boas-vindas aos visitantes da cidade do samba.

“A primeira coisa que vemos ao chegar aos dois aeroportos da cidade é esse nosso irmão nos recebendo de braços abertos”, diz o estilista carioca Gilson Martins , cujas bolsas já foram vistas nos braços de todo mundo, de Madonna a Michelle Obama. Ele procura a estátua quando chega em casa depois de uma viagem ao exterior? Não, ele diz – porque não há necessidade. “É ele quem me encontra quando chego ao Rio.”

Há mais de um século, a estátua é um símbolo do Rio de Janeiro. Em fevereiro de 1922, o arquiteto Heitor da Silva Costa venceu o concurso para projetar o que parecia ser um projeto imprudente: uma enorme estátua de Jesus oscilando no alto de uma montanha, tão fina quanto um palito de dente. Foi inaugurado nove anos depois.

No entanto, quase 100 anos depois, a estátua – com 30 metros de altura e uma envergadura de 30 metros – ainda está de pé e é hoje um símbolo da cidade, conhecida em todo o mundo. É um milagre do alto? Ou uma prova das proezas de engenharia dos brasileiros que o construíram?

Para Paulo Vidal, arquiteto e superintendente carioca do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ( IPHAN ), que aprova qualquer projeto de restauração, é este último. “A engenharia civil no Brasil sempre esteve na vanguarda do mundo, principalmente na construção em concreto armado”, afirma.

E é aí que reside o seu segredo. Embora o Cristo Redentor pareça uma escultura de pedra, na verdade é o que Vidal chama de “edifício de concreto coberto de placas de pedra-sabão”.

Isso não significa que a construção não tenha sido heróica.
Retrocedendo um 'mar de impiedade'

A estátua foi encomendada em 1922 e inaugurada nove anos depois. Domínio público/Acervo Instituto Moreira Salles

A gênese da estátua veio do que foi essencialmente um ato de propaganda religiosa: uma tentativa de fazer retroceder um “mar de impiedade ” pós-Primeira Guerra Mundial, instalando uma figura de Jesus Cristo para vigiar o Rio, visível de qualquer lugar da cidade – um deus onipresente feito carne de pedra. Foi realizado um concurso para desenhar a estátua e Da Silva Costa – que a imaginou quase como uma saudação ao sol, tendo Jesus iluminado pela madrugada e rodeado por uma “auréola” rosada ao pôr do sol – ganhou a encomenda.

Nem sempre seria a figura simples que vemos hoje. Inicialmente ele desenhou a escultura de Cristo a caminho do Calvário, carregando sua cruz e um globo na outra mão. Felizmente, com a ajuda do artista Carlos Oswald, ele mudou para um design mais simplificado e modernista, no qual os braços estendidos de Cristo não apenas formam o formato da cruz, mas parecem abraçar a cidade abaixo dela. O escultor franco-polonês Paul Landowski colaborou no desenho final, simplificando ainda mais a forma, alinhando-a ao estilo Art Déco que estava na moda na época.

Construir uma estrutura tão colossal sempre seria difícil; construí-lo no topo de um pico alto e perigoso ainda mais. Não apenas pela dificuldade de construção; mas também de manutenção. “O grande desafio foi desenhar um projeto que resistisse às intempéries”, diz Vidal, que afirma que o pico do Corcovado está “exposto a condições atmosféricas muito agressivas”.

Além do mais, esta seria uma escultura para sempre, “cuidadosamente projetada para resistir aos elementos e ao teste do tempo como um símbolo da engenhosidade e devoção humana”, diz Vidal.


Os arquitetos cariocas já eram adeptos do concreto – o prédio A Noite, sede do jornal municipal, era o prédio mais alto da América Latina quando foi inaugurado em 1929. Da Silva Costa e sua equipe aproveitaram essa experiência, revestindo o núcleo de concreto do Cristo com esteatita, ou pedra-sabão, conhecida como isolante e tradicionalmente usada como panela em Minas Gerais, explica Vidal. Também é difícil – um século depois, o revestimento ainda está “bem preservado”, diz ele.

A equipe optou pelo efeito mosaico – invisível de longe, mas acrescentando detalhes para quem fez a peregrinação ver de perto. A pedra-sabão foi proveniente de uma pedreira em Minas Gerais, escolhida por sua tonalidade calma e verde acinzentada. Ele foi esculpido em pequenos pedaços – pouco mais de 1,5 cm de comprimento e 0,5 cm de espessura, segundo Márcia Braga, arquiteta e especialista em restauração que liderou um grande projeto de conservação do monumento em 2010 – e preso ao “corpo” de cimento. Existem cerca de 6 milhões de peças do Cristo Redentor no total.

As obras começaram em 1926, financiadas principalmente pela igreja carioca, e em 12 de outubro de 1931 a estátua foi inaugurada. Hoje faz parte do Patrimônio Mundial da UNESCO “Paisagens Cariocas entre a Montanha e o Mar” , instituído em 2012. Quatro anos antes, a estátua havia sido tombada pelo IPHAN por sua importância histórica. Foi declarada patrimônio municipal em 1990. É também a maior estátua Art Déco do mundo.
Conservação constante

Como ícone da cidade, a estátua necessita de manutenção constante. Matthew Stockman/Getty Images

É claro que a mesma engenhosidade a que Vidal se refere em relação à sua engenharia também esteve em plena exibição durante o século passado, à medida que condições climáticas extremas castigavam o Corcovado. O fato de uma visita ao Cristo Redentor – seja pegando um pequeno trem até o pico ou caminhando – ser uma atividade obrigatória no Rio, com cerca de 2 milhões de visitantes por ano, significa que é ainda mais importante manter a estátua seguro.

Não é uma tarefa fácil. “A conservação é um grande desafio porque está exposta a condições atmosféricas muito agressivas – sejam os raios solares, que fazem com que o manto e a estrutura se expandam e encolham todos os dias, ou os ventos de sudoeste que atingem a estátua carregada de sal e areia, causando constantes abrasão no revestimento”, explica Vidal.



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Depois há relâmpagos. O Rio de Janeiro é uma cidade de tempestades, e esse pico alto atrai greves como abelhas para um pote de mel. Pára-raios foram originalmente construídos na cabeça da estátua para ajudar nos ataques. Vidal diz que estes foram ampliados ao longo dos anos, à medida que as tempestades aumentam de intensidade. Em 2021, a ‘coroa’ de hastes foi quadruplicada e o sistema de aterramento foi ampliado.

A estátua tem passado por um grande esforço de conservação a cada década desde 1980, mas Vidal diz que o local é monitorado “constantemente” para qualquer manutenção emergencial que possa ser necessária. “Conhecemos os materiais, os processos de degradação, os agentes agressivos e o comportamento da estrutura”, afirma.

O Cristo tem cinco buracos grandes e cobertos para os conservadores entrarem – um no topo da cabeça e mais quatro nos ombros e cotovelos. São 14 furos menores que, quando abertos, auxiliam na circulação do ar, diz Braga.

“Dentro da estátua, você se sente totalmente protegido das intempéries e do meio ambiente”, diz ela. “Há silêncio – é uma estrutura muito forte, e à medida que você sobe até a cabeça, os espaços para atravessar ficam muito estreitos. Quando você finalmente chega ao topo da cabeça, é uma sensação maravilhosa de liberdade.”
Substituindo 300.000 peças

A estátua é coberta por seis milhões de tesselas. Cortesia Gilson Martins

Braga – que considera o projeto de restauro uma “enorme responsabilidade” – tinha 50 anos quando trabalhou na estátua. “Senti como se fosse um grande acontecimento na minha carreira profissional”, diz ela.

Num artigo de 2011 sobre o projeto, partilhado com a CNN, ela escreveu que a sua equipa encontrou esporos da Mata Atlântica na estátua – tornando o monumento ainda mais impregnado do Rio e do Brasil como um todo. As bactérias foram limpas com jatos de vapor e água a 158 graus Fahrenheit. A estátua também foi reestruturada.

Nenhum detalhe é ignorado durante os projetos de conservação, o mais recente dos quais ocorreu entre 2020-2022. A pedra-sabão da pedreira original esgotou-se ao longo do século passado – “esta cor é cada vez mais difícil de encontrar no mundo natural”, escreveu Braga sobre o seu projecto de conservação – por isso, quando peças de mosaico precisam de ser substituídas, os conservadores examinam cuidadosamente a pedra de outras pedras. pedreiras em Minas Gerais, para tentar igualar da melhor forma possível a cor original.

Durante a reforma, Braga rejeitou 80% das tesselas substitutas, escolhendo apenas aquelas que melhor combinavam com a cor original. Ela também substituiu pedras que haviam sido adicionadas em restaurações anteriores, mas que não combinavam bem com as cores, substituindo 5% desses 6 milhões de tesselas no total.

Esses esforços hercúleos valem a pena, diz Vidal. “O Cristo Redentor é uma imagem icônica que divulga a cidade e o país para o mundo”, afirma. “Atrai turismo e consequentemente divisas para a cidade.”

Gilson Martins concorda. As bolsas do Cristo Redentor são suas campeãs de vendas, empatadas com as que ostentam o Pão de Açúcar.
'Como um amigo de infância'

A estátua é sinônimo de cidade para moradores e visitantes. Emmanuele Contini/NurPhoto/Getty Images

Para os cariocas – moradores do Rio de Janeiro – o Cristo tornou-se como um membro da família. Tom Jobin, o grandalhão da bossa nova que compôs A Garota de Ipanema , escreveu sobre seus "braços abertos sobre a Guanabara" em sua canção, Samba do Avião . Outra música chamava-se, simplesmente, Corcovado . “Da janela, ve-se o Corcovado, O Redentor, que lindo”, escreveu ele – “Da janela dá para ver o Corcovado, o Redentor, que lindo”.

O próprio Martins produziu duas exposições de arte centradas na escultura e recentemente fez um EP, cantando sobre a estátua em três das cinco canções. Na verdade, diz ele, foram as memórias de infância de observar a estátua que inspiraram suas composições.

“Para mim ele é meu irmão, meu amigo de muitos anos, sempre presente na minha vida”, diz ele sobre o Cristo. “A sensação é como ter um amigo de infância com quem tenho muita intimidade, e ele está sempre lá para conversarmos.”

A profunda devoção de Martin à estátua de concreto é um sentimento compartilhado pelos cariocas de toda a cidade. “Para mim, como carioca, arquiteto e urbanista, o Cristo Redentor é um marco de identificação territorial. Se vejo o Cristo Redentor sei onde estou e que estou em ‘casa’”, diz Vidal. “Para ser cantada na música, a estátua precisa ser amada pela população – e é. Acolhe e abraça moradores e visitantes.”



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Para Francesco Perrotta-Bosch, crítico de arquitetura e biógrafo da arquiteta modernista Lina Bo Bardi, o Corcovado é “o marco mais democrático da cidade”. O Rio de Janeiro é famoso por ser um lugar onde grande riqueza e pobreza convivem lado a lado, mas, de certa forma, a escultura as une.

“Você pode ver isso em bairros ricos e bairros pobres”, diz ele. “Os cariocas poderão observá-lo pela zona sul ou norte e terão uma referência para se encontrar na cidade. Em grande parte por causa do Corcovado, o Rio se torna uma cidade com muitos elementos visuais que ajudam o visitante a não se perder nele.”
'Algumas pessoas choram'

A estátua é visível de toda a cidade do Rio de Janeiro. Mauro Pimentel/AFP/Getty Images

Os turistas parecem gostar tanto da estátua quanto os moradores locais. Considerado uma das sete maravilhas modernas do mundo, o Cristo Redentor é a atração mais visitada do Rio, afirma a guia turística Cristina Arroio .

Seus convidados “acham que é incrível. Algumas pessoas são muito sensíveis e choram. Há quem diga que é a realização de um sonho subir até o topo e ficar perto da estátua”, diz ela.

Gilson Martins, que pode ver a estátua de sua casa, a chama de “o anfitrião carioca que recebe o Rio, o Brasil e o mundo de braços abertos”.

“O clima carioca é formado por uma energia intensa de calor humano, relaxamento, alegria, leveza, sensualidade e receptividade”, afirma. “Cristo no alto do Corcovado é cúmplice de todo esse espírito carioca. Complementa toda a beleza das praias, do Pão de Açúcar, do carnaval, dos sambistas e de todo o jeito carioca de ser.”

É muito apropriado para o Brasil descontraído e multicultural que uma escultura construída como símbolo de uma religião tenha acabado representando a atmosfera acolhedora de todo o país.

Talvez esse seja o maior milagre do Cristo Redentor.

fonte:cnn

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