Editors Choice

3/recent/post-list

Geral

3/GERAL/post-list

Mundo

3/Mundo/post-list

Abin Paralela: a quem interessa conter o trabalho de ONGs, ativistas e da imprensa livre?



Um governo que faz uso de órgão de inteligência para ações de perseguição e violação de direitos fundamentais de seus cidadãos e instituições ocupa formalmente o campo do autoritarismo

Porto Velho, RO - A revelação do escândalo da atuação ilegal da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) causou espanto e apreensão não apenas entre a classe política, mas também entre as muitas organizações da sociedade civil, jornalistas e até servidores públicos que descobriram ter sido espionados de maneira clandestina e totalmente em desacordo com as regras que garantem o Estado democrático de direito.

É fundamental refletirmos neste momento sobre os motivos que levam um órgão de governo a monitorar entidades que atuam em defesa da democracia e do meio ambiente, que lutam para diminuir a concentração de poluentes no ar, para dar voz à população preta, para incluir os mais pobres e para manter o direito de jornalistas investigarem suas pautas. Quem tem medo do terceiro setor e a quem interessa conter o avanço do debate público dos temas de interesse social?

De acordo com a investigação, conduzida pela Polícia Federal, uma verdadeira organização criminosa se formou durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro e utilizado o órgão de inteligência para monitorar pessoas e autoridades públicas através do uso de softwares de espionagem sem autorização judicial. Interceptação, violação de sigilo e invasão de dispositivos eletrônicos são alguns dos crimes revelados até o momento.

O trabalho da Polícia Federal vem revelando o cenário de risco iminente de ruptura democrática que o país atravessou durante a gestão Bolsonaro. Sob a direção de Alexandre Ramagem, atualmente deputado federal do Partido Liberal (PL) eleito pelo Rio de Janeiro, a estrutura da agência de inteligência do governo foi utilizada para proteger e blindar a família do então presidente, para espalhar desinformação através da criação de perfis falsos em redes sociais e até mesmo para lançar dúvidas sobre a lisura do processo eleitoral do país.

O grupo teria construído um aparato de contrainteligência para empreender ataques sistemáticos a adversários políticos, ao sistema eleitoral e às instituições públicas, e entidades da sociedade civil contrários aos seus interesses. A investigação em curso, iniciada em 2023, revela que foram monitoradas autoridades dos Três Poderes da República, além de jornalistas, comunicadores sociais e associações da sociedade civil.

Dada a gravidade das revelações, a Rede Liberdade, grupo de advogadas e advogados que atuam na defesa dos direitos humanos, protocolou imediatamente após o levantamento parcial do sigilo das investigações, um pedido de reunião extraordinária com a Secretária Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública com o objetivo de assegurar a proteção dos jornalistas e a integridade da imprensa.

Como membro do Observatório da Violência contra Jornalistas e Comunicadores Sociais do Ministério Público, acreditamos que a segurança dos jornalistas e a proteção da liberdade de imprensa são pilares essenciais da nossa democracia, e enfatizamos a necessidade urgente de uma análise aprofundada do caso, sugerindo inclusive a criação de um grupo de trabalho para monitorar as investigações e desenvolver estratégias que fortaleçam e promovam a atuação do trabalho livre da imprensa.

Também apoiamos a nota de posicionamento conjunta lançada pelas seis organizações sociais que se descobriram monitoradas até o momento: Sleeping Giants Brasil, Advocacy Hub, Aos Fatos, Instituto Sou da Paz, NOSSAS e Agência Lupa.

Um governo que faz uso de órgão de inteligência para ações de perseguição e violação de direitos fundamentais de seus cidadãos e instituições ocupa formalmente o campo do autoritarismo e distancia-se dos fundamentos mais básicos da democracia. Esta percepção se torna ainda mais grave quando olhamos em retrospecto para a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023 contra o novo governo legalmente eleito.

É fundamental que as entidades civis acompanhem de perto o desenrolar das investigações e cobrem dos órgãos competentes que sejam tomadas todas as medidas cabíveis para responsabilizar e punir os envolvidos nos atos criminosos, assim como para garantir a legalidade das ações presentes e futuras da Abin e de seus servidores.

O caso mostra a necessidade premente de manter o terceiro setor firme e de pé. Com a mudança parcial do cenário político da última eleição presidencial, criou-se a perigosa impressão de que temos uma democracia sob controle, mas os fatos deixam evidente que isso ainda não está totalmente assegurado. Mais que nunca, é preciso fomentar e garantir a continuidade das atividades de lideranças ativistas, das organizações civis e da imprensa livre no Brasil.

Fonte: Carta Capital

Postar um comentário

0 Comentários