Investigado por venda de sentença na Operação Ultima Ratio com aval do Superior Tribunal de Justiça, o juiz Paulo Afonso de Oliveira comprou apartamento de luxo, avião e uma fazenda avaliada, no mínimo, em R$ 30 milhões, segundo a Polícia Federal. O magistrado tinha o hábito de sacar de R$ 100 mil a R$ 200 mil em espécie e declarar à Receita Federal valores muito abaixo dos efetivamente pagos.
A investigação da PF mostra que Oliveira era amigo e até dividiu conta bancária por três anos com o juiz Aldo Ferreira da Silva Júnior, um dos poucos condenados administrativamente por corrupção pelo Tribunal de Justiça. Ele é marido da advogada Emmanuelle Alves Ferreira da Silva, que usou documentos falsos para dar golpe de R$ 5,5 milhões em um aposentado do Rio de Janeiro com a “ajuda” de Paulo Afonso de Oliveira. O magistrado liberou o saque da fortuna.
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No relatório encaminhado ao ministro Francisco Falcão, do STJ, a PF esmiuça nos mínimos detalhes como ocorreu o golpe no engenheiro aposentado de Petrópolis (RJ) e como a Justiça age rápido quando há interesses escusos no processo.
Emmanuelle Alves levou um ano e meio para ingressar com a ação e colocar as mãos na fortuna do aposentado carioca. Enquanto cidadãos esperam décadas por um resultado ou pela condenação de envolvidos em escândalos de corrupção na Justiça sul-mato-grossense, o golpe, que teria contado com o aval de Paulo Afonso de Oliveira e do desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso, consumou-se em entre dezembro de 2016 e maio de 20218.
Com o uso de uma nota promissória falsa, um fazendeiro fictício e assinatura falsa, a advogada conseguiu sacar R$ 5.507.310,25 das contas do aposentado carioca. Apesar de ter sido alertado de que se tratava de um crime, Paulo Afonso não exigiu exames grafotécnicos e dificultou ao máximo a situação para o aposentado, como só analisar o recurso após o pagamento de R$ 16,2 mil de custas judiciais, mesmo o aposentado alegando ter renda de R$ 3 mil por mês.
Segundo a Polícia Federal, Oliveira chegou a pedir ao banco que provisionasse o saque de R$ 100 mil dois dias antes de receber o dinheiro. Ele fez o pedido quando só contava com R$ 39 mil na conta. O depósito dos R$ 100 mil ocorreu logo após ele autorizar a advogada Emmanuelle Alves a sacar os R$ 5,5 milhões.
A quebra de sigilo bancário do magistrado mostrou que ele realizou pelo menos mais dois saques em dinheiro, de R$ 200 mil em maio de 2017 e R$ 180 mil em junho daquele mesmo ano.
Na época do golpe, logo após Emmanuelle Alves ser presa pelo Gaeco, Paulo Afonso de Oliveira concedeu entrevista coletiva e negou qualquer participação no golpe. De acordo com a PF, ele era amigo de Aldo Ferreira, marido da advogada. Os dois inclusive dividiram a titularidade de uma conta bancária no Banco do Brasil entre 2003 e 2006.
Vida de milionário
Na magistratura há 24 anos e sete meses, Paulo Afonso declarou salário mensal médio de R$ 69,8 mil entre 2016 e 2019, de acordo com a quebra do sigilo fiscal. Com rendimentos totais de R$ 3,3 milhões no período, ele ainda declarou rendimentos de R$ 688,7 mil com a atividade agropecuária.
A movimentação bancária do magistrado tem indícios de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Ele declarou ter pago R$ 580 mil em um apartamento do Edifício Grand Tower, em Campo Grande, em 2017. No ano seguinte, ele elevou o valor do imóvel para R$ 680 mil na declaração do IR.
A investigação chegou ao contrato firmado pelo juiz e a dona do apartamento, no qual o valor declarado era maior, R$ 943,5 mil.
Cinco anos depois, no ano passado, o juiz fez proposta para comprar a Fazenda Nova Guaporé, em Bodoquena, por R$ 18 milhões. Parte do pagamento seria em espécie. O apartamento entraria no negócio pelo valor de R$ 2,250 milhões – valorização de 230% em cinco anos.
“Outrossim, além de chamar a atenção as divergências de valores declarados, inclusive com valores abaixo do valor base do ITBI/ITCD, causa estranheza a suposta valorização do referido imóvel, tendo em vista que, após ter sido declarado por R$ 680 mil em 2018, seria oferecido em 2023 (período de 5 anos) no valor de R$ 2,5 milhões, o equivalente a mais de 3,6 vezes o valor inicialmente declarado”, pontuam os federais.
Oliveira propõe ainda dar outro apartamento no Living Parque dos Poderes no valor de R$ 700 mil. O pagamento em espécie teve duas propostas. Na primeira seriam R$ 3,2 milhões, sendo entrada de R$ 1,3 milhão e duas de R$ 950 mil. Ou seriam R$ 2 milhões em dinheiro vivo na primeira e o restante, R$ 1 milhão, na segunda parcela. O relatório não informa se o magistrado concluiu o negócio.
Avião e fazenda de R$ 30 milhões
Paulo Afonso de Oliveira comprou 50% de avião Cessna 182 e informou ter pago R$ 100 mil. A PF estima que a aeronave custe, no mínimo, quase quatro vezes mais. O avião está avaliado entre R$ 750 mil e R$ 1,3 milhão. A declaração do IR trouxe um valor muito abaixo do mercado.
O magistrado informou que comprou a Fazenda Recanto da Serra, com 1.030 hectares, em Miranda. Ele informou à Receita Federal ter pago R$ 700 mil na área em 27 de maio de 2008. A propriedade com 1.679 bovinos. Só os semoventes estariam avaliados em mais de R$ 5 milhões.
A PF estima que o valor de mercado da fazenda seria de, no mínimo, R$ 30 milhões. O valor pode chegar a R$ 70 milhões.
“Em que pese terem se passado 15 anos, a diferença de R$ 700 mil para R$ 30 milhões em tal período aponta novamente, a nosso ver, que PAULO AFONSO declarou valor de aquisição de tal fazenda abaixo do real para ocultar a origem dos recursos utilizados, podendo ter natureza ilícita”, concluíram os investigadores.
Transações suspeitas
A PF descobriu vários pagamentos em espécie feitos pelo juiz que não tiveram a origem definida. Houve compra de R$ 17 mil em uma empresa de alimento para animais sem que houvesse saque da quantia em qualquer conta bancária do magistrado.
Entre 2017 e 2023, o magistrado teria feito depósitos para U.E.R., que é funcionário de uma das propriedades rurais do magistrado e ao mesmo tempo do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Neste período, Paulo Afonso pagou R$ 266 mil em 119 transações para o funcionário.
“Ademais, não foram identificados saques das contas de PAULOAFONSO que pudessem indicar relação com os depósitos em espécie supramencionados, desse modo, resta a dúvida da origem dos numerários por ele depositados, que estariam sendo utilizados, ao que tudo indica, para o desempenho de suas atividades rurais”, suspeita a PF.
“Durante a análise dos materiais, foi possível identificar fortes indícios de que PAULO AFONSO DE OLIVEIRA (CPF 501.159.441-68) realize, de modo frequente, transações de elevados valores em espécie”, destacou.
O Frizello Frigorífico repassou R$ 703,83 mil entre 2017 e 2018 para a conta bancária do magistrado. A empresa pertence ao empresário José Carlos Lopes, o Zeca Lopes, denunciado por pagar propina para o juiz Aldo Ferreira da Silva Júnior e alvo de operações da Polícia Federal e do Gaeco.
Operação Ultima Ratio
Paulo Afonso de Oliveira é titular da 2ª Vara Cível de Campo Grande e passou a ser investigado na Operação Ultima Ratio, deflagrada no dia 24 de outubro deste ano, e que afastou os desembargadores Sérgio Fernandes Martins, SIdeni Soncini Pimentel, Vladimir Abreu da Silva, Alexandre Bastos e Marcos José de Brito Rodrigues.
O escândalo é um dos maiores da Justiça estadual. Os desembargadores passaram ser monitorados por tornozeleira eletrônica e só colocaram o adereço após 12 dias.
Errata
O juiz Paulo Afonso de Oliveira não foi afastado, como chegou a ser noticiado inicialmente. O magistrado é apenas investigado pela PF e foi alvo dos mandados de busca e apreensão autorizados pelo ministro Francisco Falcão.
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